quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A NAVE ESPACIAL


Quando Juscelino Kubitschek decidiu transplantar a capital do país para o Planalto Central, jamais poderia ter imaginado que a futura praça dos Três Poderes poderia vir a converter-se numa espécie de nave espacial. Talvez Niemeyer o tivesse intuído, dadas as formas exóticas das duas casas do Congresso Nacional.

Homens estranhos, com discursos estranhos, circulam ali por órbitas estranhas, defendendo estranhos interesses – coisas que pouco ou nada têm a ver com os simples terráqueos. Verdadeiros extraterrestres pilotam a nave, representando o Executivo, o Judiciário e o Legislativo. Por canais subterrâneos não é difícil identificar certa cumplicidade ou promiscuidade entre eles, como se tivessem consciência de pertencer a uma raça superior.

A linguagem utilizada em suas salas, salões e auditórios, em seus corredores, gabinetes e outras dependências também é uma linguagem incomum, cifrada e enfática. Utiliza-se uma retórica recheada com frases de efeito e metáforas exóticas, mas vazia de idéias. Predomina a pompa e a solenidade, até nos carpetes que revestem o solo da nave. Estranho, porém, que enquanto um discursa e na tribuna, os demais fazem de tudo, menos prestar atenção. Com jornal, celular e note book, parecem alheios, conectados o tempo todo com seu planeta desconhecido.

Entre si, os extraterrestres são aparentemente muito bem educados, civilizados, tratando-se sempre de “vossa excelência”. O problema é que expressões vulgares e de baixo calão costumam acompanhar esse título tão respeitoso. Exemplos: vossa excelência não aponte esse dedo sujo para mim; vossa excelência é ladrão; vossa excelência não passa de um cangaceiro de terceira categoria, vossa excelência engula e digira suas palavras; vossa excelência pertence aos trombadinhas da tropa de choque, e assim por diante.

Daqui debaixo, onde milhões de trabalhadores e trabalhadoras lutam dia-a-dia para garantir uma sobrevivência precária e apertada, fica difícil entender a razão de ser de todos aqueles debates. Raramente se referem aos problemas que diariamente afetam o bolso das pessoas, como o preço do pão e do leite; do aluguel, água, luz e impostos; da passagem de ônibus ou metrô; do arroz e feijão, da carne e dos legumes; dos materiais de construção. Tampouco gastam muitas palavras com as reais condições de trabalho e moradia, saúde e educação, transporte e alimentação, entre tantas outras preocupações das populações terrestres. Tem-se a impressão que, do alto de sua nave, observam tais populações como vermes rastejando pelo chão duro e bruto.


Para quem olha desde a terra, o que mais impressiona em suas vidas espaciais são os salários e rendimentos a que se dão o direito. Jogam facilmente com a influência política e vivem numa atmosfera de fartos e fátuos benesses. Enriquecem com uma rapidez extraordinária e chegam a construir castelos, comprar fazendas e engordar contas em paraísos fiscais. O mesmo se estende a seus familiares, amigos e afilhados. Também é notória a freqüência com que, de maneira corporativa, se defendem um ao outro, reverso da medalha dos choques verbais. Cria-se um círculo vicioso: o poder traz riqueza, a riqueza conduz ao poder, e assim sucessivamente.

Engana-se quem achar que os extraterrestres usam da mesma benevolência para com as camadas mais pobres da sociedade, ou até para com seus eleitores. Quanto se trata de debater projetos voltados para os interesses e necessidades básicas da população, os mesmo podem apodrecer por meses e meses de gaveta em gaveta, de gabinete em gabinete. Nestes casos o ritmo torna-se lento e repleto de dúvidas, disputas e contradições.

É justo reconhecer que, vez por outra, os extraterrestres se dignam deixar sua nave. Descem do planalto e se misturam com os seres humanos nas ruas, praças e campos da planície. Normalmente isso ocorre em festas especiais ou às vésperas das eleições, momentos em que aparecem tão mortais, familiares e amigáveis como cada um de nós. Entretanto, mesmo nessas ocasiões, não nos chamam de pessoas, e sim de eleitores. Passado o pleito, dificilmente alguém os vê, a não ser através dos meios de comunicação social.

Enfim, a distância entre eles e os seres humanos que se debatem em solo terrestre é quase intransponível, seja em termos de estilo de vida, seja em termos de linguagem, seja em termos problemas e preocupações. Chega-se a perguntar qual o papel de seres tão estranhos na vida e na história brasileira. Ou então a questionar as formas de democracia vigentes nos países ocidentais, sob o férreo controle do modelo econômico neoliberal.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

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