sábado, 20 de junho de 2009

O MIGRANTE CAMINHA ALIMENTANDO ESPERANÇAS


“Migram as sementes nas assa do vento,
migram as plantas de continente a continente levadas pelas correntes das águas,
migram os animais e, mais que todos, migra o homem” (Bem-aventurado Scalabrini).

O titulo deste artigo é constituído por três palavras sumamente interligadas. Entre elas existem uma interdependência e uma articulação que enriquecem o significado de cada uma delas. Juntas concretizam sonhos e metas que todo ser humano almeja alcançar. Juntas se completam e se solidificam com o propósito de tornar a vida do ser humano mais plena.

Migrante é um nome dado a toda pessoa que se desloca de um lugar para outro, na busca incansável de melhores condições de vida.

Caminhar indica um desprender-se da morosidade, da acomodação. É uma iniciativa que nos lança na busca do novo, do diferente. Caminhar significa desinstalar-se do comodismo, do estancamento, da passividade, da rotina, da monotonia e avançar com coragem para um lugar que nos enseja novas possibilidades. É poder construir uma nova identidade com audácia e bravura, atingindo horizontes e objetivos de ordem pessoal, profissional, familiar, social, político, religioso, desportivo…. Como dizia o célebre poeta espanhol, Antônio Machado: “O Caminho faz-se caminhando”. O ser humano vive caminhando conduzido por sonhos e com grandes expectativas. A História da humanidade revela que em diversos espaços geográficos e culturais a vida e a existência humana foram muitas vezes descritas como um “caminho que se fez caminhando”.

Esperança é uma força emocional que motiva o ser humano a buscar sempre resultados positivos, relacionados a diferentes circunstâncias da vida pessoal. É um nobre sentimento que impulsona, estimula e motiva o ser humano a realizar algo que tanto almeja. Ter esperança é poder acreditar nas promessas reais e lutar pelos objetivos traçados sem ilusões e com muita perseverança. É poder acreditar que algo é possível mesmo quando há indicações do contrário. É ter expectativas de acontecimentos bem-concretos, ou seja, tornar real o sonho que foi plantado no coração e na mente. Por exemplo: esperança de alguém que muito amamos e que está doente, seja curado, ou então, no caso do migrante, a esperança é de que um dia consiga tornar real o sonho da vitória; conquistar cidadania, habitação, emprego garantido, sustento para a família.

Esta é a esperança que alimenta o sonho, que impulsiona, conduz, orienta e estrutura a caminhada de muitos migrantes desde os tempos mais remotos da história humana. A Sagrada Escritura nos revela inúmeras caminhadas, por um lado, muitas delas de livre e espontânea vontade, por outro lado, outras tantas forçadas.

Temos conhecimento de que, desde Abraão, existe um constante fenômeno migratório na face da terra. O exigente convite que o Senhor Javé fez a Abraão de deixar a terra, parentes, casa, pai e ir em busca de uma terra ainda desconhecida (Gn 12, 1) era em vista das grandes esperanças de Deus. Certamente, foi uma decisão difícil, pois para partir aos setenta e cinco anos de idade, cortar os laços familiares e geográficos e ir para um lugar desconhecido é necessário ter uma fé heróica e uma esperança sólida. “Pela fé, Abraão, chamado por Deus, obedeceu e partiu para um lugar que devia receber como herança. E partiu sem saber para aonde ir. Pela fé, ele foi residir como estrangeiro na Terra Prometida” (Hb 11, 8-9).

Outro fato migratório aconteceu quando o “Faraó deixou sair o povo: Deus não o guiou pelo caminho da terra dos filisteus, embora mais curto... Deus fez o povo dar volta pela rota do deserto do mar Vermelho... O Senhor os precedia... para lhes mostrar o caminho” (Ex 13,17.18.21). Era necessário caminhar, mesmo se o povo estava cansado, abatido e humilhado pela escravidão do Egito. Foram peregrinos de Deus no caminho pelo deserto, lugar de perigo, mas também lugar de encontro com o Senhor. A promessa acompanhava o povo amedrontado, a promessa da Terra Prometida. “Eu te conduzirei ao deserto e falarei ao teu coração”. “Onde está a terra prometida?” Em meio a tantas dificuldades e perseguições trilharam o caminho com esperança.

Elias também teve que caminhar, sair das mordomias e enfrentar os desafios ao ouvir o insistente apelo: “Elias, levanta-te e come, pois é grande o caminho que te resta” (1Rs 19,5-8). É preciso se abastecer da Palavra e da Eucaristia para ter forças suficientes e enfrentar o caminho com confiança. É preciso manter viva a esperança de chegar e alcançar a meta traçada.

No Novo Testamento temos o testemunho do mestre Jesus. Durante a sua missão, muitas vezes O encontramos caminhando; subindo montanhas; descendo até a planície; caminhando pro outro lado do mar e até mesmo sobre as águas (Mt 14,22-32). Diante do medo e da insegurança Ele conforta os discípulos dizendo: “Tenham coragem, sou Eu; Não precisam ter medo”. Em outra passagem Jesus caminha à frente dos discípulos, subindo para Jerusalém (Lc 19,28). E também caminha junto com os discípulos de Emaús que perderam quase toda a esperança, desencantados, sem horizontes... (Lc 24,15).

Entretanto, desejo destacar que Ele mesmo foi forçado a pôr-se a caminho, pouco tempo depois do seu nascimento. Foi obrigado a partir no colo de seus pais, montado num jumento, de noite, para o Egito visando fugir à perseguição do rei Herodes (Mt 2, 13-15). Sobre isso, o Servo de Deus, Papa Pio XII, escreveu em 1952: “A família de Nazaré no exílio - Jesus, Maria e José - emigrantes no Egito e lá refugiados para se subtraírem à ira de um ímpio rei, são o modelo, exemplo e apoio para todos os migrantes e itinerantes de qualquer idade, origem ou condição que, ameaçados pela perseguição ou pelas necessidades, se vêem obrigados a abandonar a pátria, os parentes queridos, os vizinhos, o afeto dos amigos, deslocando-se para terras estrangeiras”.

É evidente que, ainda hoje, o drama da família de Nazaré, é obrigada a refugiar-se nos Egitos do mundo. E repete-se na dolorosa condição de tantos e tantos peregrinos, migrantes, especialmente os refugiados e exilados que são perseguidos por falta de justiça e dignidade. Ainda hoje muitas famílias migram em meio a tantas privações, humilhações, limitações e fragilidades tornando-se seres humanos desfigurados e debilitados. Entretanto, é no caminho que se descobre a luz que norteia o peregrinar do ser humano: “... quando já estava perto de Damasco, Saulo se viu repentinamente cercado por uma voz que vinha do céu” (At 9,3).

O número de migrantes que cruzam as fronteiras e percorrem as estradas do mundo, vem aumentando a cada que ano passa. Entre as causas desse aumento “destacam-se as transformações ocasionadas pela economia globalizada, o que leva à exclusão crescente dos povos do Terceiro Mundo e sua luta pela sobrevivência; as guerras, guerrilhas e o terrorismo internacionais ou regionalizados; os movimentos marcados por questões étnico-religiosas; a urbanização acelerada, especialmente nos países periféricos; a busca de novas condições de vida nos países centrais, por trabalhadores da África, Ásia e América Latina; questões ligadas ao narcotráfico, à violência e ao crime organizado; os movimentos vinculados às safras agrícolas, aos grandes projetos da construção civil e aos serviços em geral”.

As migrações são cada vez mais complexas e diversificados. Hoje muitas mulheres e jovens rompem as fronteiras internacionais. Muitas famílias inteiras trocam o campo pela cidade. Muitos refugiados políticos e econômicos fogem dos conflitos armados ou da miséria e da fome. E também migram, por motivações distintas, muitas pessoas de todas as classes sociais.

O migrante enfrenta um choque violento quando chega ao seu destino, principalmente quando fora do seu país, enfrenta dificuldade de falar a nova língua, sem documentos oficiais, acossado pela perseguição da polícia, pela discriminação étnica, pela exploração e escravidão no trabalho, pela falta de qualificação para trabalho, pela remuneração baixa, pelas atitudes de xenofobia e de racismo, pela dificuldade de ver reconhecidas as suas habilitações acadêmicas; esses são alguns exemplos dos grandes obstáculos que encontram. E, diante disso, os migrantes podem naturalmente deixar definhar a esperança. Compete a todos nós a missão de lutar pelos seguintes ideais:
• justa acolhida a quem chega e generosa atenção a quem parte, ou seja, antenas ligadas a todo tipo de deslocamento humano;
• defesa dos direitos civis, econômicos, religiosos e sociais;
• defesa dos trabalhadores temporários para que não sejam lesados em seus direitos trabalhistas;
• políticas de integração que mantenham viva a esperança dos migrantes;
• defesa do princípio da igualdade de direitos e deveres;
• valorização e recuperação da auto-estima para que eles sejam sujeitos da história;
• resgate das tradições culturais, das manifestações religiosas;
• direito à escola para os filhos de imigrantes clandestinos:
• trabalho sempre em sintonia com as diretrizes e orientações da Igreja local;
• promoção da semana do migrante;
• conscientização da Igreja e da sociedade em geral para com a questão migratória;
• criação de equipes de Pastoral Migratória nas comunidades e nas paróquias;
• fixação do homem no campo, combate às migrações forçadas e defesa da reforma agrária e da política agrícola;
• globalização da solidariedade, cultura, justiça, liberdade: ir e vir, mundo sem fronteiras;
• atendimento das necessidades básicas, que possam garantir-lhes a sobrevivência.

Essas e outras tantas iniciativas são essenciais, pois, como diz o ditado popular; “Sem esperança não chegaremos a lugar nenhum”. Ter esperança é um direito fundamental de todo ser humano. Impedir esse direito é uma escravizar a injustiça.

Pe. Paulo Rogério Caovila, cs.

Imagem: http://quadrosthaisibanez.blogspot.com/2008/12/migrantes.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário