quarta-feira, 18 de março de 2009

A PAZ É FRUTO DA JUSTIÇA


Dois poemas de Carlos Drumond de Andrade podem servir de referência para entrar no tema da Campanha da Fraternidade de 2009, “Fraternidade e Segurança Pública”, com o lema “A paz é fruto da justiça”. Depois dos embalos do samba de do frevo, depois do desfile das escolas e dos blocos, a pergunta se impõe: E Agora José? A festa acabou, os holofotes se apagaram, as alegorias se recolheram, as bandeiras baixaram, o brilho murchou, os risos encolheram, o povo silenciou e a multidão sumiu... E agora José? É quarta-feira de cinzas, a ressaca deixou um gosto amargo na boca, o despertador volta a incomodar, o cotidiano vira rotina... E agora José?


Terminada a avalanche de luzes e sons, bandeiras e cores, musas e foliões, sobrou, viva e dolorida, a chaga da violência. Violência no trânsito e nas periferias urbanas, onde os jovens são os mais atingidos; a violência da fome ao lado de imensos latifúndios vazios, improdutivos e cercados; a violência da devastação indiscriminada e insustentável do meio ambiente e dos recursos que a natureza nos dispõe; a violência oculta, simulada e até protegida pela inviolabilidade do lar, que continua vitimando sobretudo as crianças e as mulheres; a violência dos presídios e cadeias, onde a dignidade humana se vê aviltada ao limite pela superlotação, a humilhação e a tortura; a violência do tráfico, da droga e da exploração sexual; a violência no campo contra indígenas, quilombolas e sem-terra... E tantas outras formas de violência.


Violências que, somadas e multiplicadas, representam uma guerra. Uma guerra contra a vida humana, animal e vegetal. Uma guerra onde há balas e bombas, sem dúvida, mas onde as bombas mais devastadoras explodem em silêncio. O silêncio do olhar faminto e desesperado, das cicatrizes e hematomas ocultas por todo o corpo, do soluço travado e engolido junto com a lágrima não vertida, das portas fechadas e muros eletrificados, de caminhadas em vão atrás de uma sobrevivência cada vez mais precária, do pão da esmola que fere como faca afiada, da
exposição nua e crua aos holofotes da mídia antes mesmo de qualquer julgamento, do bombardeio do marketing e da publicidade.


Aqui entra em cena o segundo poema de Carlos Drumond. No meio do caminho tinha uma pedra. Por trás desses rostos e corpos marcados por feridas seculares, a crise mundial torna mais aguda a ameaça do desemprego e subemprego. Faz crescer também os fluxos migratórios, uns de retorno e desilusão, outros de abertura e esperança a novos horizontes. Historicamente, em tempos de crise as pessoas se movem. Há uma dupla face desses deslocamentos de massa, que reproduz a dupla face da crise. Se, por um lado, escancaram as assimetrias e injustiças da economia globalizada e neoliberal, por outro, exigem mudanças estruturais nas relações econômicas, políticas, sociais e culturais. A marcha dos pobres, migrantes e excluídos faz mover a história.


A CF/2009 deixa claro que a paz, para florescer, pressupõe um solo de justiça. Ou, como dizia Paulo VI na carta encíclica Populorum Progressio, publicada durante os anos sombrios da guerra fria, mais precisamente em 1967, “o desenvolvimento é o novo nome da paz”. Numa palavra, o sonho da paz, talvez o mais profundo do ser humano, exige que muitas pedras sejam removidas do meio do caminho. Entre elas, o acúmulo da riqueza e da terra em poucas mãos, o desequilíbrio das relações internacionais, a corrupção na área da política, a violação dos direitos humanos, a ditaduras abertas ou disfarçadas de democracia, as múltiplas agressões ao planeta Terra, a precariedade ou ausência dos serviços públicos: segurança, saúde, alimentação, educação, transporte, lazer, habitação...


Tudo poderia ser resumido numa pergunta: como pode ter paz um pai ou mãe que vê seus filhos sofrendo de fome e de frio, em permanente insegurança, ameaçados pela droga e o sexo fácil, sem perspectiva de vida e de futuro?!...

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

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