quinta-feira, 23 de julho de 2009

A caixa preta do Senado


Todos sabem que os aviões têm caixas pretas (de cor laranja). Servem para gravar o que ocorre na cabine do piloto ou as manobras feitas por este. Diante das tragédias como a dos vôos da Gol, da TAM ou da AirFrance, as caixas pretas podem fornecer pistas valiosas para a descobrir as causas do desastre. Em meio aos escombros da aeronave, o conteúdo delas pode orientar o olhar dos peritos e, é claro, corrigir defeitos, evitando novos acidentes.

Há meses o Senado brasileiro atravessa uma zona prolongada de turbulência. Nela emergem dos subterrâneos uma série de escândalos: passagens aéreas e benefícios para familiares, centenas de atos secretos, funcionários fantasmas e agora as contas paralelas. Grande parte dos parlamentares está envolvida, incluindo o Senador José Sarney, o qual, segundo o presidente da República, não pode ser julgado “como uma pessoa uma pessoa normal”.

De fato não! É um político que tem uma larga história, seja em nível estadual seja em nível nacional. Resta discernir nessa longa trajetória política o que é serviço e o que é desserviço. Aliás, todo político deve estar sujeito a essa avaliação. É eleito pelo povo e pago com dinheiro público. Tem o dever de prestar contas de seus atos,da mesma forma que a população tem o direito de acompanhá-lo de perto.

O conceito de transparência é inerente à maturidade democrática. O Senador José Sarney não é um homem normal, não senhor, é um dos mais destacados representantes de uma oligarquia que há muito se perpetua no poder, usufruindo de seus benefícios.

Nessa longa turbulência do Senado e nesse desastre que se abateu sobre o Congresso Nacional, o que revela sua caixa preta? Em primeiro lugar que é impossível esconder um poder paralelo, localizado por trás do palco de carpete azul e de poltronas confortáveis. Nos bastidores,alguns funcionários de alta patente ditam o que se deve e o que não se deve divulgar sobre os atos do Senado. Seu método de ação é, não raro, a chantagem sobre os próprios senadores, contando ou com sua ignorância ou com sua miopia sobre os favores prestados apadrinhados.

Uma coisa é o que se proclama do alto da tribuna ou na mesa da presidência, diante dos holofotes da mídia, outra coisa o que se decide por trás dos panos. Em segundo lugar, a caixa preta nos revela que durante praticamente todo este ano o Senado esteve debruçado sobre si mesmo. Ao invés de assumir a tarefa de legislar, segue rodopiando ao redor do próprio vômito. Enquanto isso, as reformas urgentes e necessárias ao país e à população vão rastejando de mesa em mesa, quando não mofando no fundo das gavetas. Daí que seja lícito perguntar quando os senadores vão começar a trabalhar! De um lugar de reflexão e de decisão, o Senado se mostra um ralo do dinheiro público.

Por fim, a caixa preta evidencia uma vez mais que, em se tratando de política brasileira, nepotismo, corrupção e tráfico de influência – “os males do Brasil são”! Males historicamente incorporados, ao mesmo tempo, à cultura do mando e da submissão, da Casa Grande e da Senzala. As tradicionais figuras do Coronel, do Sinhozinho, do Doutor, do Patriarca, entrincheiradas em retrógradas oligarquias, ainda comandam os palcos e os bastidores do Congresso Nacional, para não falar do Executivo e do Judiciário. A democracia brasileira carrega vícios, nós e entraves muito pesados e de difícil resolução.

Encontrada a caixa preta, o que fazer? Dois caminhos se impõem: ou os peritos avaliam seriamente as coisas, vão ao fundo das causas, propõem uma limpeza geral, e apontam para horizontes novos e arejados; ou passam um verniz na situação, sacrificam alguns bodes expiatórios, forjam uma aliança cúmplice com os demais poderes e tudo volta a ser como antes. Alguém tem dúvida de qual será o caminho escolhido?

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

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